terça-feira, 11 de março de 2014

Balas perdidas

João Baptista Herkenhoff
 
Não há uma definição jurídica do que seja bala perdida. Entretanto, o termo foi incorporado à linguagem corrente para significar projétil de arma de fogo que atinge pessoa que não estava envolvida no episódio, fato ou evento que motivou o disparo. Ou seja, a bala perdida é a bala sem rumo, que não estava endereçada àquele que pela mesma foi alcançado.

Fica assim entendido que é "vítima de bala perdida" a pessoa que teve a desdita de estar no lugar errado, na hora errada, e que por este motivo recebeu o impacto do artefato que lhe causou ferimentos ou morte.

Em outros tempos de Brasil a bala perdida era acontecimento raro, motivo pelo qual não obteve um adequado tratamento legislativo. Hoje, entretanto, as balas perdidas frequentam o cotidiano do noticiário.

Conforme levantamento feito pelos jornais "A Gazeta" e "Notícia Agora", de Vitória, mais de meia centena de pessoas morreram em consequência de balas perdidas, no último semestre, no Espírito Santo. Ou seja, há uma média de dez mortes por mês, nessas circunstâncias.

Dentre os casos mais dramáticos registre-se o de uma criança de onze anos que recebeu um tiro no peito quando estava brincando no quintal de um vizinho, na Rua José Bonifácio, no bairro Aribiri, em Vila Velha.

Outra ocorrência assustadora foi a de um comerciante de 34 anos, que foi atingido por bala perdida quando falava com o pai ao telefone no bairro Cascata da Serra.

Houve, no Brasil, em 23 de outubro de 2005, um referendo que proibiria comercializar armas de fogo. Esse referendo consistia em aprovar o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento:
"Art. 35 - É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei".

A proibição pretendida não alcançou apoio da maioria dos votantes.

Os eleitores podiam optar pela resposta "sim" ou "não". O resultado final foi de 59.109.265 votos rejeitando a proposta (63,94%), enquanto 33.333.045 votaram pelo "sim" (36,06%).

De minha parte, cumprindo um dever de consciência, votei pelo sim, escrevi um artigo em "A Gazeta", defendendo o voto sim, e concedi entrevistas na televisão apelando para que o eleitorado aprovasse o desarmamento. Mas, ao lado de milhões de pacifistas, fui derrotado.

O argumento a favor do não era o de que os homens de bem precisavam do direito de se armar. Esqueceram-se os defensores desta tese de um detalhe fundamental: as armas legalmente adquiridas poderiam ser furtadas para a prática de crimes, como tem ocorrido com frequência.

Talvez agora, sob o ruído e o fulgor das balas perdidas, rentes às varandas dos nossos edifícios, uma nova consulta popular possa ser realizada para repor, perante a opinião pública, o debate do tema.
 
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
 
É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Um paralelo com um momento da vida de Elias

1 Reis 19

Um paralelo com um momento da vida de Elias

 Daniel 12 -  2. E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno.
 Daniel 12 -  13. Tu, porém, vai-te, até que chegue o fim; pois descansarás, e estarás no teu quinhão ao fim dos dias.

Este é um final de semana diferente, e tudo o que é diferente nos chama a atenção pois quebra a rotina, e faz pensar sobre como seria a vida se tudo fosse diferente. Os lugares aonde vamos, as pessoas com quem nos relacionamos, enfim, tudo aquilo que a repetição torna rotina e costume, e que, quando alterado, nos leva a um choque, seja de felicidade ou de tristeza.

No caso desse final de semana, que vai se somar à segunda e terça, feriados de Carnaval, a rotina de praticamente todos muda, não apenas daqueles que correm atrás de Momo e seus derivativos. Outros aproveitam para viagens, visitas, ou simplesmente curtir a preguiça em casa mesmo. Nos últimos anos, até as igrejas fecham as portas nesses dias, transferindo suas atividades para sedes temporárias, onde se paga pela estadia, diversão, boa comida, e também se tem a Palavra de Deus. Para aqueles que não desejam participar de tal convescote, resta a alegria de saber que Deus é encontradiço em todos os lugares por aqueles que o buscam em espírito e em verdade. De tal encontro é que pretendo falar, pois nada melhor que uma alteração de rotina da magnitude do feriado de Carnaval para propiciar salutares momentos de reflexão.

 Não é novidade que o mundo jaz no maligno, desde a expulsão do primeiro casal do Jardim do Éden. Desnecessário ocupar-se da descrição pormenorizada dos fatos dos quais todos somos sobejamente sabedores. Aliás, faz parte da natureza pecaminosa nossa morbidez, que consiste na atração que temos pela tragédia, morte, violência e tantos outros pecados. Quanto mais dantescos, mais nos deliciamos em comentar, explicar, detalhar. 

Também é fato que desde sempre os crentes, aí inclusos os que se dizem filhos de Deus pela aceitação do sacrifício de Jesus por nós, se resvalam nas práticas as mais torpes, se lambuzando e rolando na lama negra e fétida do pecado. A cada dia que passa somos confrontados com nosso pecado e nossa nojeira própria, e como que resfolegando nos deliciamos em nossos odores nauseabundos.

Pela mídia somos inteirados das torpezas mil do homem natural. E nos subterfúgios, entremeios e entrelinhas não lidas das reuniões religiosas; e nas quebras de relacionamentos entre os que deveriam ser irmãos se patenteiam os horrores cometidos por nós, os crentes, incluindo você que está lendo. Tanto entre leigos, quanto entre o clero, a sordidez do pecado tem abatido vidas e apagado o Espírito.

Alguém disse que esperava que os retiros espirituais desse ano fossem de muito choro e clamor, e eu concordo. Creio que todos os crentes, a seu modo, devem utilizar desse tempo para um retiro espiritual particular. Um momento com Deus. Mas como seria a programação desse retiro?

Creio que a Bíblia pode ajudar nesse sentido. Em 1 Reis 19 conta-se um episódio da vida de Elias, um homem crente e sério, que era zeloso com as coisas de Deus, mas precisou de um retiro espiritual para entender a vontade do Senhor. Ele estava em uma situação de desespero, onde lutava ferrenhamente para extirpar o pecado como prática na vida das pessoas, sem nenhum sucesso. Ao contrário, conseguiu muitos inimigos, que inclusive o juraram de morte. 

Chegou o momento então em que aquele homem se desesperou, incapaz de solucionar a tremenda problemática na qual se envolvera. Por um lado, não admitia a covardia de conviver com a prática do pecado, e por outro, se sentia impotente, além de pagar um preço muito alto por essa opção.

Buscando salvar a vida saiu caminhando pelo deserto durante um dia inteiro. Diria que começou aí a quebra de rotina de Elias. Naturalmente não precisamos de um deserto literal, embora não descarto que eventualmente Deus nos faça passar por um. Muitas vezes, no entanto, o "deserto figurado" pelo qual passamos não difere em nada da situação de uma pessoa andando na areia ardente e morrendo de sede, sem sequer conseguir imaginar um oásis. O deserto coloca as coisas em seu devido lugar, e patenteia quem somos efetivamente. Seu retiro espiritual tem de obrigatoriamente começar por um deserto.

Finalmente Elias encontrou um zimbro, um arbusto rasteiro, e se assentou debaixo dele. Ali ele tinha um arremedo de sombra, além de que aquela planta era conhecida por ter propriedades medicinais, ou ao menos eram usadas para tratar as calosidades do caminho desértico.

Cabe aqui uma parada reflexiva. Se você ainda não encontrou conexão entre o preâmbulo desse texto, sua vida e o caso de Elias, é melhor pensar um pouco. Talvez as coisas que acontecem no mundo, incluso aí a enorme quantidade de pessoas que vão para o inferno todos os dias das mais variadas maneiras, algumas até seus colegas, amigos e parentes; o pecado que assola as organizações religiosas (as tradicionais, as indefinidas, as "em células", e até as "em cédulas"), onde muitas vezes muitos de seus membros vivem uma vida mundana sem muito disfarce, e alguns de seus líderes dão exemplos até piores, mormente a nível moral e financeiro; se nada disso te causa espécie, você, como eu, precisamos urgente do deserto, e no máximo, do pé de zimbro, com pouca sombra.

Se por outro lado você não sofre nenhum tipo de incômodo por conta de suas opiniões, pois não destoa da maioria, se nunca foi perseguido por discordar de práticas fora da vontade de Deus, realmente não encontrará conexão alguma entre a história de Elias e o tema deste texto. 

Se você acha que está acima de tudo, que é melhor que todas as pessoas que fazem essas coisas, você também está precisando do deserto! Entendeu agora?

Ao chegar a essa constatação, você concluirá que a melhor coisa a fazer é morrer. Elias não teve outra ideia que não pedir a morte, justificando que não era melhor que seus pais. Esse morrer é a sujeição completa do ego, a entrega total a Deus, o admitir a incapacidade, a certeza da insuficiência, e a declaração da total e necessária dependência do Senhor.

O morrer do ego propicia a ação de Deus em nossa vida, pois enquanto julgamos dar conta de tudo sozinhos, Ele não nos abandona, mas não interfere. Tão logo nosso ego é verdadeiramente entregue, o Senhor age e nos mostra sua vontade. No caso em tela, Elias se depara com uma frugal refeição, representada por pães cozidos em cima de pedras e uma botija de água. Ele come e dorme, sendo logo acordado e instado a comer mais.

Interessante que aparentemente Elias não dá a importância devida ao anjo que lhe trouxe o alimento. Por certo não advogo aqui que ele deveria ter adorado o ser celestial, lógico que não. Mas em minha opinião meio que perpassa que Elias estava tão ensimesmado que não conseguia aquilatar o estupendo milagre que estava acontecendo com ele. Ora, no meio do deserto, ele sendo servido por um anjo!

Mas é assim mesmo que acontece. Até o patriarca Abraão recebeu visitas celestiais e não se deu conta disso. Mas tal não deve ser desculpa para que não reconheçamos Deus agindo em nossas vidas, dentro ou fora do deserto. Por favor, desligue-se um pouco de seu egoísmo e busque a Deus! Veja o Senhor agindo em sua vida!

Foi dito a Elias que se alimentasse bem, pois da energia daquele alimento sairia a força para que ele pudesse caminhar. Interessante que não foi uma refeição pesada, balanceada, mas aquela que Deus reservou para ele. Ele se alimentou de pães cozidos e bebeu água de botija.

Aquela caminhada durou quarenta longos dias. E terminou ao pé do monte Horebe. Elias, ainda sem se entregar totalmente, enfurnou-se em uma caverna. Eu me pergunto, nessa altura do campeonato, como ele ainda não entendia que não precisava mais ter medo. Mas desisto da pergunta, pois tenho menos fé ainda do que ele tinha.

Passou a noite na caverna. Na sequência, Deus lhe pergunta o que ele está fazendo ali, enfurnado na caverna. Ele se justifica, dizendo do seu zelo pela Obra, mas que se sentia impotente e só por conta dos pecados do povo, coisa que aliás lhe tinha rendido uma jura de morte.

Pois bem. E você o que está fazendo enfurnado na caverna? Provavelmente Deus esteja mandando você sair dessa caverna e deixar de ser tão covarde e medroso, e confiar exclusivamente Nele. Para que ficar se justificando, que você está certo e todos errados, que você trabalha pela Obra, dá dízimo até dos presentes que ganha, ajuda os pobres e tal, mas mesmo assim é o maior coitadinho da face da terra?

Elias entendeu o recado e saiu da caverna. Daí aconteceu um vento impetuoso, depois um terremoto, e até um fogo irrompeu. Mas Elias soube discernir a presença divina, e não se deixou levar por estas manifestações aparentes e majestosas. 

Deus então falou com ele num cicio suave. E para terminar a bela e impactante história, sabe o que Deus fez? MANDOU ELIAS VOLTAR PARA O DESERTO!!! Espantado? Eu também.

Creio que somos convocados a quebrar os paradigmas desse mundo enquanto aqui estamos, na força do Senhor. Esses dias de ócio e alteração de rotina me permitiram esse retiro espiritual e cheguei a algumas conclusões:

Acabe com a sua auto-suficiência
Humilhe-se
Não se ache "o vaso"
Supere o ego
Peça a morte do eu de forma correta
Alimente-se corretamente
Ande muito, muito longe com Deus
Saia da caverna, e suba ao monte de Deus
Entenda o vento, o terremoto, o fogo, e o cicio tranquilo e suave
Volte ao deserto, que é onde Ele te quer
Seja doravante o agente de mudança 
Pregue o arrependimento genuíno e a mudança de vida
Não tema em anunciar também as consequências do pecado não confessado e não perdoado
Seja tu uma bênção


Osdilson Amorim Oliveira