quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Desconectado

Penso que ultimamente temos falado muito em tecnologia, dando ênfase apenas ao seu uso, esquecendo que muitos, ou não se adaptam, ou pura e simplesmente detestam, exercendo seu sagrado direito de opção, o qual devemos respeitar.

 

E de mais a mais, o uso comedido das coisas, sejam elas quais forem, é o mais correto, pois o exagero em qualquer atividade humana leva à dependência.

 

Nesse sentido a reportagem abaixo é pertinente e deve ser lida, no interesse de se moderar e se policiar no uso da tecnologia, bem como respeitar a opinião daqueles que não a utilizam.

 

Século XXI ainda tem legião de "desconectados" por opção

 

Se você acha impossível viver sem celular, computador ou ter um milhão de amigos no Orkut ou no Facebook, saiba que existe muita gente que tem aversão a esses novos apelos tecnológicos. Sim, no fim da primeira década do século 21 existe uma legião de desconectados. Por opção. Parece impossível, mas não é, apesar dos números expressivos de celulares em solo nacional: 181.676.776. Ou seja, número igual a 95,82% da população. Fazem parte dos 4,18% restantes não apenas aqueles sem recursos econômicos para adquirir um aparelho, mas uma gama de "desplugados" que ninguém acreditaria que não tem sequer um celular ou uma conta de email.

 

Apesar de quase (disse quase) todos terem uma conta de email, manter distância de celulares é um ato deliberado por pessoas como o apresentador Ronnie Von, o professor Pasquale Cipro Neto, o superintendente da revista Caras Edgardo Martolio, e o professor e historiador de moda João Braga, cujo computador de casa é de 1998 e não funciona há anos.

 

Eles não fazem parte daquelas pessoas que, no Brasil, passam 82 horas por semana utilizando diversos tipos de mídia e de entretenimento tecnológico, que vão de computadores a celulares. Os dados são de recente pesquisa da consultoria Deloitte, que apontou ainda que os brasileiros gastam três vezes mais tempo por semana conectados à internet do que assistindo à TV. Dos 9 mil entrevistados, 1.022 moravam aqui, os demais eram americanos, japoneses, alemães e britânicos.

 

Os desconectados por opção também não correm perigo de terem crise de ansiedade à toa, como ocorre com 68% dos norte-americanos, quando estão distantes de seus computadores ou celulares, segundo estudo feito no ano passado pela empresa Solutions Research Group. Dos pesquisados, 80% afirmaram que sempre carregam o celular consigo e o deixam ligado. E, pior, 60% confessaram que usam o Blackberry até mesmo no banheiro.

 

Conclusão: achar esses pesquisados é tarefa fácil, afinal basta ligar no celular. Não foi o caso dessa reportagem, em que algumas perguntas foram mandadas por email e outras entrevistas foram feitas apenas quando o entrevistado deu retorno ao recado deixado na secretaria eletrônica do telefone fixo. Se alguns usam a internet em maior ou menor proporção, outros não chegam nem perto de tais tecnologias. A justificativa principal é não ficar escravizado ao aparelho ou ter de atender ligações fora de hora. "Não nego os benefícios da tecnologia, mas não quero ser escravo dela como todo mundo é", afirmou o professor João Braga.

 

Outro ponto em comum é a falta de educação que o celular acabou incorporando no comportamento das pessoas. "Hoje, as pessoas são capazes de pedir licença durante um almoço para atender uma ligação ou passar e-mail. Isso é falta de educação", disse o apresentador Ronnie Von. Da mesma opinião é o jornalista argentino Edgardo Martolio, da revista Caras. "Já almocei com pessoas que colocaram até três celulares sobre a mesa e atenderam a cinco ligações." O professor Pasquale até tem um celular, mas não o usa há anos: é só para emergência. E agora se vê às voltas com um perfil falso no Twitter. "Não fui eu que criei."

 

 

Gerações diferentes

"Acho que há espaço para diversos tipos de vida. Alguns, mais velhos, pré-internet, podem escolher ficar de fora desse mundo eletrônico. Mas certamente os novos, ou aqueles que precisam começar a marcar uma presença profissional e global (em termos de contatos e relacionamentos que se estendem por países) têm necessariamente de entrar nas novas tecnologias", afirmou Virgílio Fernandes de Almeida, professor-titular do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Segundo ele, vivemos um processo de troca de gerações pré e pós-internet. "Os meninos/meninas abaixo de 22 anos nasceram depois da internet comercial (1986) e já no meio do boom de games e PCs. São naturalmente acostumados a isso. Fazem múltiplas tarefas ao mesmo tempo, o que faz parte dessa nova geração", disse o professor. "Às vezes há exageros (atender celulares em lugares inadequados, cinema, consultório médico, dentro de um ônibus), mas acredito que o uso vai se ajustando e havendo também um processo de educação."

 

"Nem sei o número do meu celular", diz superintendente da Caras

 

Edgardo Martolio,59 anos, superintendente da revista Caras, tem um BlackBerry e diz que está quase se viciando na internet. Mas então por que ele está nesta matéria? Simplesmente porque ele sequer sabe o número de seu celular e gosta de brincar: "Se você souber, me avisa." Não usa o celular para nada, o aparelho "sem número conhecido" é apenas para responder e-mails de onde estiver, principalmente quando está fora de São Paulo. Em relação a uso de celulares, ele é radical: "As ligações são inoportunas." Confira sua opinião a respeito:

 

"Não uso celular porque as pessoas não sabem administrar as ligações, nem a quantidade nem o tempo de chamada. Acham que a deles é a única ligação que você recebe no dia. Se na hora do expediente sou incomodado com chamadas inoportunas, desnecessárias e intermináveis, imagine com celular.

 

Ok, tenho um Blackberry simplesmente porque consigo responder e-mails no momento mais adequado, especialmente quando estou fora de São Paulo. Nunca passei o número para ninguém. Para isso, o importante é não saber qual é. E eu não sei. Se você souber me avisa. Duas pessoas acabaram descobrindo o anterior porque tive de fazer uma ligação de emergência. Elas gravaram quando eu liguei. Exatamente por esse motivo, troquei o número.

 

Minha mulher tem celular e me entende sobre a decisão de eu não usar, ainda que pense que sou exagerado e radical demais. Meu filho tem dez anos e não precisa entrar nessa onda ainda. O aparelho pode até trazer segurança, mas o preço, pelo menos no meu caso, é alto demais.

 

Na minha opinião, aqueles que têm celulares e não largam deles, estão doentes. Já vi pessoas se sentarem no almoço, comigo, e apoiarem três celulares sobre a mesa. Atenderam pelo menos cinco ligações no almoço. Isso também é falta de respeito. Aproveitei, desconversei o assunto após cada ligação deles e não fechei negócio nenhum.

 

Agora, em relação à internet, estou começando a me viciar. Uso muito. Mas o início de tudo foi profissional. Hoje uso para tudo, notícias, trabalho, até para traduzir palavras, comprar ingresso de cinema."

 

"Meu Twitter é falso", afirma o professor Pasquale

 

O professor de português Pasquale Cipro Neto tem um aparelho celular comprado há anos, mas não usa (está sem crédito). Não suporta quem fala alto em lugares públicos, expondo sua vida particular. E já fez escândalos em avião quando viu alguém usando o aparelho. Quanto à internet, tem e-mail, que abre diariamente com fins profissionais, navega para saber noticias básicas. Mas agora está às voltas com seu perfil falso no Twitter, que tem mais de 46 mil seguidores. "Não fui eu quem criou. Vou tentar desabilitá-lo. Fiquei p... da vida quando soube da existência." Veja abaixo a opinião de Pasquale sobre as novas tecnologias:

 

"Comprei um celular há vários anos e dei para os meus filhos também, porque acho que a questão de segurança é importante. Ainda funciona, não sei como, porque há anos não faço ligação dele e não coloco crédito. As únicas pessoas que sabem o número são minha mãe e meus quatro filhos, caso precisem ligar em alguma emergência. Se isso acontece, o que é raro, eles dão um toque. Retorno depois de algum telefone fixo ou do orelhão. Um dia tive de usá-lo para chamar a polícia, porque presenciei um assalto. Mas foi só isso.

 

O celular é uma coleira eletrônica, e o pior é que as pessoas se acham importantes com isso. Se consideram imprescindíveis, por exemplo, para a empresa em que trabalham, ficando disponível o tempo todo. É um absurdo. No primeiro corte, com ou sem celular, o funcionário pode estar na lista de demitidos. E é absolutamente ridículo ver e ouvir aqueles que falam alto em lugares públicos, abrindo sua vida aos quatro ventos. Já ouvi briga de marido e mulher; gente discutindo com o gerente do banco porque sua conta estava no vermelho. Se quiser fazer isso naquele momento, vai para um canto, fala baixo, coloca a mão na frente da boca. Eu não preciso saber nada da vida de ninguém. Se a pessoa me incomoda muito, tampo o ouvido com as mãos na frente dela. Tenho vontade de bater em quem age assim. Usar o celular dessa forma é uma exposição sem sentido da intimidade. É a banalização plena da vida, sem contar a total falta de respeito ao próximo.

 

No avião, quando alguém fala ao celular com as portas da aeronave ainda ou já fechadas, chamo a aeromoça, aviso o comandante. Faço escândalo mesmo, porque aquilo pode expor a aeronave a situações perigosas. O mesmo acontece nas unidades de UTI: o celular pode interferir no funcionamento dos aparelhos. É colocar a vida dos outros em risco.

 

Quanto à internet, uso diariamente para checar emails, mas de forma profissional. Quando estou viajando, mesmo para fora do país, tento entrar apenas por conta dos emails e saber algumas notícias importantes. Em geral, navego por alguns sites de informação. Já comprei produtos pela rede. E só. Contas bancárias, pago todas nos terminais de autoatendimento. Não confio na internet para isso.

 

Fiquei p... da vida quando soube que criaram um perfil meu no Twitter, inclusive com minha foto. É falso, não tenho ideia de quem fez isso. Mandei um aviso ao servidor do site. Recebi um retorno de que minha mensagem havia chegado, mas nada foi feito. Agora, vou pedir para a minha agente profissional que tente tirar do ar. Não sou eu que mexo naquilo. Entrei uma vez quando me avisaram que existia. Dizem que existem perfis meus também no Orkut. É tudo falso. Eu nem sei como se faz para acessar esses sites."

 

"Não sinto a menor falta de tudo isso", diz João Braga

 

O professor João Braga, historiador e professor de moda, gastou 25 créditos de seu cartão telefônico de 50, que custa R$ 7, para retornar o pedido de entrevista ao Terra. Ele não dirige, não tem conta de e-mail, não tem celular e só consegue pegar os recados da secretária eletrônica particular em orelhões. E se diz absolutamente feliz em viver assim. Ele teme sobretudo a necessidade que as pessoas têm de ficar conectados os tempo todo. O mais peculiar, no entanto, é que tem até comunidade no Orkut, com mais de 700 pessoas, criada por alunos: "Eu Amo o João Braga". Confira seu depoimento:

 

"Alguns alunos chegam à aula pela manhã mal dormidos porque passaram a noite na internet. Além disso, muita gente precisa checar a cada dez minutos mensagens que nem existem. É um vício, uma dependência. Não nego os benefícios das novas tecnologias, mas não quero ser escravo delas. Fora que não tenho a mínima afinidade com tais recursos modernos. O engraçado é que até criaram comunidade no Orkut com frases minhas etc. Não acesso. De vez em quando, alguém me mostra algo sobre mim que saiu na Internet, mas é muito raro. Tiram cópia da matéria e me trazem também.

 

Moro sozinho, mas não sinto a menor falta disso tudo. Nos tempos livres, leio, escuto música e, às vezes, vejo TV. Também não preciso de carro, moro perto de onde trabalho e vou a pé. Posso demorar, mas respondo a todos os recados deixados na secretária eletrônica. O uso do celular, hoje, é feito de forma abusiva e, em geral, com falta de educação. Celular ligado na missa, por exemplo, é um desrespeito. Sou cruel. Proíbo terminantemente o celular na classe. Tem gente que nem copia mais a lição da lousa, tira foto com o celular. Isso não pode acontecer.

 

Já dei aula à distância, por internet, mas isso só porque tinha uma assistente que mexia na máquina para mim, imprimia os textos, que eu lia depois, e ela lançava as notas lá. Mas ainda não acho que esse tipo de aula seja ideal. Nada substitui a presença, o entrosamento entre um aluno e um professor na sala de aula. A escola é um local de socialização e isso a gente não pode perder. E as tecnologias tiram isso da gente. Tudo, no entanto, precisa ser bem dosado. Não dá para se viciar e se escravizar.

 

Nunca senti falta de nada dessas coisas. Até hoje escrevo meus livros à mão (ele está por lançar um livro sobre moda brasileira) e depois contrato alguém para digitalizar.

 

O aparelho de secretária eletrônica de casa quebrou, mas até hoje guardo todas as fitas de recados que as pessoas deixaram para mim, que estão, inclusive, anotados em cadernos, por dia e hora. Hoje, pego os recados à noite do orelhão, porque não consigo acessar de casa (também não tenho bina). Respondo nos intervalos das aulas ou quando tenho um tempo livre. Sempre retorno. Outro dia, uma repórter entrou em contato comigo para saber sobre um termo específico de moda. Quando retornei o recado, respondi à sua pergunta e ela disse que tinha procurado no Google e em vários sites sobre história da moda e não tinha achado o significado. Ou seja, isso mostra que a internet não é tudo. Posso parecer fora do tempo, mas sou muito feliz assim. Tenho meus amigos, faço minhas coisas como sempre fiz."

 

"Não sou uma vítima da tecnologia", afirma Ronnie Von

 

O apresentador Ronnie Von, 65 anos, que comanda o programa Todo Seu, na TV Gazeta, já teve celular, mas não se acostumou. Hoje não tem o aparelho e não sente a menor falta. Tem e-mail, ao qual entra esporadicamente. Para responder à entrevista, primeiro foi feito o contato com sua assessoria, que pediu as perguntas por e-mail. Mas não sabia quando ele iria responder, exatamente porque ele não tinha celular. Dois dias depois, as respostas foram enviadas. Confira sua opinião sobre o assunto.

 

"Não sinto falta nenhuma do celular. Não me deixei dominar por essa necessidade - que foi uma necessidade inventada, imposta. Acho celular desagradável e muitas vezes uma falta de educação, não gosto. Já tive um aparelho, mas não me animei. Sobre a necessidade de me comunicar com a família, é simples: eles sempre sabem onde me encontrar. Os amigos ligam para minha casa, para o escritório ou para o celular da minha mulher.

 

O que detesto nos celulares é o fato de as pessoas se tornarem escravas. Elas viraram reféns de um aparelho que foi inventado para servir. Nas poucas vezes em que precisei usar um celular, tinha alguém do meu lado que me emprestou. Na minha família, todos têm celular, menos eu.

 

Sobre as pessoas que não largam o aparelho, ficam checando e-mail a toda hora, repito: acho uma tremenda falta de educação. Quando essas tecnologias não existiam, se as pessoas não tinham como falar com as outras, esperavam, era o único jeito. Hoje em dia as pessoas são capazes de pedir licença durante uma refeição para responder uma ligação ou passar um e-mail!

 

Em relação aos computadores, internet, utilizo esporadicamente. Leio uma coisa ou outra, respondo e-mails, mas não tenho uma rotina. Fico na frente do computador apenas o tempo necessário para respondê-los. Fixar os olhos na tela do computador por muito tempo me cansa muito.

 

Já ouvi falar também do Twitter, mas não tenho a mínima vontade de ter um. Não sou novela para ser acompanhado nem profeta para ter seguidores. Tenho muito mais coisa para fazer nos tempos livres. Leio, assisto a filmes, vejo TV. Definitivamente não sou uma vítima da tecnologia."

 

Rosângela Espinossi - Especial para Terra

 

Fonte:http://vidaeestilo.terra.com.br/homem/interna/0,,OI4040982-EI12827,00-eculo+XXI+ainda+tem+legiao+de+desconectados+por+opcao.html

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