quinta-feira, 2 de julho de 2009

A injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços em contraposição à liberdade dos engravatados

A prisão em flagrante, na cidade de Palmas (Estado de Tocantins), de dois homens acusados do furto de duas melancias, não foi homologada pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital. Os irmãos S.R.R. e H.R.R. tinham sido detidos pela autoridade policial, depois que o proprietário de uma chácara deu a informação, por telefone, de que estava sendo furtado. Levados à delegacia de polícia, um lavrador e um auxiliar de serviços-gerais foram indiciados, sendo lavrado o auto de prisão em flagrante, com o encaminhamento de ambos ao presídio local.

Informado o Juízo, o Ministério Público apresentou parecer pela homologação do flagrante e pela manutenção, presos, dos acusados durante a instrução processual.

Para conceder a imediata liberdade aos dois irmãos, o magistrado refere que teria uma série de fundamentos. Entre estes, os ensinamentos de Jesus, o princípio da insignificância ou bagatela, "a injustiça da prisão em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos", etc. Mas logo asseverou que não usaria fundamento nenhum, simplesmente mandando soltar os indiciados - e "quem quiser que escolha o motivo".

Leia a íntegra da decisão - Proc. nº 124/03:

"A injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços em contraposição à liberdade dos engravatados"

"Trata-se de auto de prisão em flagrante de S.R.H. e H.R.H. (nomes omitidos pelo Espaço Vital) , que foram detidos em virtude do suposto furto de duas melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi; o Direito Natural; o princípio da insignificância ou bagatela; o princípio da intervenção mínima; os princípios do chamado Direito alternativo; o furto famélico; a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos; o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem, nem empobrecem, ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente Mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.

Rafael Gonçalves de Paula, juiz de Direito".



Fonte: Espaço Vital Virtual
08/04/2004

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