Quando descortinamos os olhos para nossa grande cidade, tomando do nosso precioso tempo alguns momentos para reflexão, notamos facilmente o quanto ela está mudada.
Tomada pelo movimento frenético de seus moradores, esses cada dia com menos tempo e mais atividades a desenvolver, e com quase todo seu espaço físico tomado por modernas construções e equipamentos públicos, e suas largas vias pulsando freneticamente por conta do intenso fluxo de veículos, nossa grande cidade nos envolve no seu ritmo a ponto de dele fazermos parte sem ao menos notar.
Tal situação é irreversível, atingindo a todos indistintamente. E envolve, além da questão tempo, vários outros fatores que permeiam a sociedade de nosso tempo, e que terminam por torná-la esse turbilhão. Entre eles podemos citar o individualismo, a falta do conhecimento de Deus, busca de resultados imediatos, a valorização da instituição em prejuízo das pessoas, o anacronismo de opiniões e conceitos, etc.
Como a igreja atual pode ser moderna, atuante, cumprindo sua missão sem se afogar no redemoinho?
Para responder a essa pergunta, é importante estabelecer dois parâmetros. O primeiro é que por IGREJA entende-se a comunhão dos salvos, ou seja, são pessoas congregadas, e não construções ou lugares específicos. Também é indispensável saber qual a missão da igreja: Glorificar a Deus e pregar o Evangelho.
OS ALVOS
Objetivando a definição acima, pode-se estabelecer alguns alvos para a Igreja em uma grande cidade.
1) O AMOR
E o primeiro alvo é o Amor Ativo. Ao passar por nosso mundo Jesus não apenas pregou, mas viveu o amor. De nada adianta a igreja propagar uma mensagem amorosa, através de chavões tipo ''pare de sofrer''. Precisa sim, conduzir as almas à verdade que é Jesus, da forma que Ele ensinou. Se a Igreja volta sinceramente suas ações a Deus isso será um fazer abençoador às pessoas. É o que diz a Bíblia:
19 Nós amamos, porque ele nos amou primeiro.
20 Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu.
21 E dele temos este mandamento, que quem ama a Deus ame também a seu irmão.
I João 4.19-21
E quando a igreja age pelas pessoas, motivada pelo amor que Deus implanta no coração dos seus filhos, esse agir atinge Jesus.
35 porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes;
36 estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me.
37 Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber?
38 Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? Ou nu, e te vestimos?
39 Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?
40 E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes. Mateus 25.35-40.
A igreja, especialmente numa grande cidade, será irrelevante sem uma busca real pelo amor, ao contrário, será um tropeço ao Reino de Deus.
2) VIVER SEU CONTEXTO SEM PERDER SUA ESSÊNCIA
Contextualizar não quer dizer viver o mundanismo. Muito pelo contrário. Alguns podem usar desse artifício como desculpa para relaxamento espiritual e moral. Outros, diversamente, teimam manter velhos costumes e paradigmas que são apenas práticas humanas. Um bom exemplo disso é a disputa, ainda hoje existente entre os defensores do HCC X Cantor Cristão. O primeiro vem de ser uma edição revisada, atualizada e melhorada do segundo. No entanto, muitos crentes ainda consideram uma ''heresia'' cantar pelo HCC. Interessante lembrar a esses mesmos crentes que muitas das melodias que musicaram as belas letras do Cantor Cristão eram em seu tempo, na verdade, músicas de canções eruditas ou populares americanas e européias, motivo inclusive de as ouvirmos como trilha sonora de alguns filmes.
O que é contextualização então? É seguir o exemplo de Jesus. Enquanto esteve aqui na terra, Jesus aproximou-se o máximo possível do povo judeu. Falou sua língua, pregou sobre os problemas que lhes eram comuns, vivendo uma vida judaica, sempre em fidelidade a Deus.
Quando a igreja tenta enquadrar a população local em algum modelo rígido e predeterminado corre o risco de produzir na verdade agressão cultural e espiritual, terminando por atrapalhar a expansão do evangelho, confundindo sua mensagem com a forma de transmiti-la.
O desafio da contextualização é não se render às pressões, que forçam a repetição de modelos. Uma experiência bem-sucedida levada a efeito em uma comunidade, época e região geográfica, pode não ter o mesmo resultado em outra realidade. Então, a igreja deve evitar a todo custo adotar modelos prontos. Não pode se furtar à responsabilidade de examinar as escrituras, estudar o meio em que vive e daí formatar e fomentar a evangelização. E o maior direcionador nesse caminho continua sendo a vontade de Deus, que conhece qual é a perfeita vontade para a sua igreja, seja em qual circunstância esta esteja inserida.
3) RECONHECER O RITMO DE VIDA ATUAL
Nos tempos atuais, temos de estar cientes da quase impossibilidade de reproduzir a intensidade das atividades das igrejas de outros tempos. No compasso atual do labor humano, as pessoas não têm tempo suficiente para participar de todas as de todas as programações. A igreja não pode pretender implantar, numa grande cidade, uma grade de programações típica de uma pequena comunidade ou de tempos remotos. Isso geraria erros, cobrança indevida, culpa e frustração, além de comprometer a formação, a família e a espiritualidade de muitos membros. A principal ocupação da igreja é ser sal e luz, de uma forma responsável e sólida, mas sem pretender absorver todo o tempo dos congregados, que naturalmente não são do mundo, mas estão nele, e como tal precisam ser mais que vencedores também na sua labuta diária.
4) FOCAR AS PESSOAS
Cristo, nosso exemplo maior, sempre teve como prioridade as pessoas, e não as instituições. O fortalecimento institucional é importante, mas deve ser relegado a plano inferior, vez que o que realmente importa é investir na maturidade cristã dos componentes da igreja. Igrejas aparentemente fortes muitas vezes escondem membros completamente fragilizados em sua fé cristã. Deve-se focar a vivência de uma comunidade de fé em pleno exercício de sua missão.
Todas as atividades da igreja devem passar por esse crivo. Não podemos agir como os fariseus, colocando os valores institucionais acima das pessoas. Veja o que Jesus diz a respeito quando questionado a respeito do sábado:
27 E disse-lhes: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado.
28 Assim o Filho do homem até do sábado é Senhor. Mc. 2.27
Por a igreja se compor de pessoas, elas é que necessitam ser edificadas. Claro que isso gerará algumas fragilidades institucionais, mas não podemos nos esquecer que o que mantém a saúde da igreja não é sua estrutura administrativa (mesmo que importantíssima), mas a maturidade cristã de seus membros.
5) PREGAR A ESPERANÇA
A igreja não pode preocupar-se mais com sua reputação que com o bem das pessoas. Policiar a vida dos outros não foi a forma adotada por Jesus em seu ministério. Ao encontrar a mulher adúltera, ele não a condenou, nem passou a fiscalizar suas ações.
3 E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério;
4 E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando.
5 E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
6 Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra.
7 E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.
8 E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.
9 Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.
10 E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
11 E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. Jo. 8.3-11
Com Pedro, o traidor, não se importou com a opinião alheia ao perdoá-lo e incorporá-lo à liderança apostólica.
15 E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros.
16 Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
17 Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: SENHOR, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
18 Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras.
19 E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me. Jo. 21.15-19
Ao invés de fiscalizar, a igreja deve apoiar em amor. Claro que esse amor pode chegar até mesmo a ações como exclusão, mas sempre visando as pessoas. A pregação cristã deve sempre gerar esperança, jamais desânimo.
6) CONFIAR NO PODER DE DEUS
A igreja precisa perceber, mais que as capacitações de seu líder, o agir de Deus. Caso se confie mais no líder, problemas certamente virão.
Em todas as áreas humanas, e as igrejas incluídas nesse rol, percebe-se atualmente certo endeusamento dos líderes, que muita vez até inconscientemente tomam o lugar de Deus, correndo-se o risco de se chegar a uma idolatria disfarçada.
Óbvio que a liderança é importante, senão fundamental. Quanto mais maduro o líder, melhor; quanto mais conhecimento tiver, melhor, só que sob a orientação de Deus, em humildade e dependência, reconhecendo a incapacidade humana.
7) MENSAGEM ESCLARECIDA
A igreja precisa pregar uma mensagem que confronte o pecado, conforte ante o sofrimento e dê esperança diante das dificuldades da vida e da morte. Sempre priorizando o esclarecimento, com espaço para questionamento, dúvidas e incertezas. Isso fortalece a fé e traz amadurecimento.
Os discursos políticos buscam explicar tudo de forma banal e ilusória. A mensagem do Evangelho não pode ser equiparada a tal falácia. Não podemos tratar de todos os problemas como se eles não fossem distintos entre si. Muitas vezes se decreta que a explicação de todos os males é única: ou o diabo, ou a baixa participação na igreja, ou a falta de fé, ou a fraqueza espiritual, etc.
8) CONSCIÊNCIA DE MISSÃO
Se examinarmos detidamente a Bíblia, veremos que em muitos momentos erramos em nossa missão. A missão da igreja não é ter um prédio bonito, ou proporcionar bons programas a seus membros. Isso passa longe do que Jesus ensinou. Ao tempo em que as igrejas se dedicam a essas atividades, devem também se ocupar em auxiliar missionários, alimentar famílias famintas, orientar na sã doutrina, etc.
Isso inclui não priorizar eventos agradáveis ao público, através de um bom programa. Ao invés, deve-se cultivar em todos os membros que a igreja existe para o bem dos outros.
Ocupando-se primordialmente de sua missão, a igreja estará contribuindo para a efetivação do Reino de Deus na terra.
Osdilson Amorim Oliveira
Escrito com base na idéia original do Pr. Remy Damasceno Lopes