O que é a realidade? Pergunto do ponto de vista e referencial humanos. Para começar, ponto de vista e referencial são coisas diferentes(mas esse é outro assunto). A realidade, além de não ser a mesma para todos, e não me refiro apenas ao aspecto conotativo, não ser percebida da mesma forma por todos, é de se perguntar se ela existe mesmo. A propósito, na antiguidade não se mencionava, por exemplo, a cor azul. Parece simples esse relato histórico, mas não é possível imaginar uma realidade sem o azul em sua composição.
Ora, nada é óbvio como supomos seja. Afinal, o céu não é azul durante uma negra tempestade, e o mar azul, à noite, não passa de uma ilusão, sem esquecer do mar esverdeado.
Antes de voltar à realidade (ops...), até mesmo a palavra kajol, no hebraico bíblico originalmente se referia a um cosmético feito com pó de antimônio que as mulheres usavam para pintar os olhos. Detalhe: era da cor preta. Com o tempo, seu significado mudou, passando a designar a cor azul, e não mais o pó preto de antimônio. O mesmo aconteceu com a palavra grega kuanos, que nos tempos de Homero, aquele da Ilíada, significava preto, ou escuro. Posteriormente, passou a significar azul.
Mas se a linguagem afeta de tal forma a maneira como vemos o mundo, não será ela resultado de uma visão de mundo específica daquele grupo que a usa para interagir e comunicar entre si? Seriam então compartimentos diversos de realidade?
Se contrariamente, são as realidades diferentes que afetam a linguagem, a situação não mudaria muito. A torre de Babel, de qualquer forma, continua causando distorções da realidade até os tempos atuais.
Chega a ser intrigante, fantástico, o hipotético exercício mental de deduzir a realidade paralela à nossa. Nos apegamos muito aos sinais emitidos pelo outro, próximo de nós, na busca da percepção da realidade adotada por ele, até para nossa orientação, enquanto "manada inteligente". Mas seria o caso de perguntar se o que chega a nós é realmente "azul" ou se é tão somente pó de antimônio (preto?), aquilo que decora o rosto de nosso próximo.
Os relacionamentos se tornam muita vez uma disputa, uma relação de domínio e servidão, ou uma eterna guerra de território. Importa significar a sua realidade em detrimento da do outro, mesmo quando todos sabemos da conotação de ilusão que cerca todos estes estamentos que chamamos realidade, quando nem mesmo a permanência de um objeto físico inanimado, como uma pedra, podemos garantir com segurança, por independer de nós garantir uma pedra que seja.
Habitantes na casca de uma quase esfera contendo metal liquefeito em seu interior, a qual gira loucamente ao redor de si, e ainda translaciona um objeto gigante e incandescente, tudo a velocidades inimagináveis, capazes de nos desintegrar e desmaterializar em milionésimos de segundo, julgamo-nos senhores da realidade e a imputamos como única!
Não, nada é óbvio como parece ser, e nossos cinco sentidos, ainda que não se enganassem eventualmente (ou com grande frequência?), não são equipados o bastante para abarcarem toda a realidade. A sua percepção, na verdade, é uma ilusão, ou no mínimo uma incompletude.
As pessoas, para além das máscaras(não falo das máscaras para fins sanitários) que usam diariamente - e há máscaras diversas para cada ambiente, são diversas em sua constituição, pensamentos, vontades, conhecimento, experiências, etc. E essa diversidade é uma riqueza, e não podemos limitar nossos relacionamentos à paridade e igualdade, pois não existe tal coisa. É necessário sempre entender, vivenciar, respeitar e aprender com a diversidade do outro, não importa se ele usa pó de antimônio ou se acha o mar e o céu azuis.
Extrapolando as relações pessoais a situação deveras se complica, pois os signos se multiplicam, com cartas marcadas, interpretações consagradas do que deva ser, tudo devidamente fixado em requisitos sintomáticos e estereotipia, os quais nos permitem definir tudo e mais alguma coisa, incluindo, mas não se limitando, a quantos milímetros de chuva por hora certa região vai receber.
A essa nossa bagagem, obviamente não desprezível, e até totalmente louvável, chamamos conhecimento, ornada naquilo que chamamos de método científico.
Ocorre que essa bagagem pesa, e traz em si, uma como que maldição. A viagem do conhecimento nos traz muita vez a um lugar de solidão, pois ela cria novas linguagens e traz uma oportunidade de arrogância a quem delas se apropria. Do alto da sua torre, que na maioria das vezes se modernizou, não sendo mais uma babel, mas sim uma torre de marfim, olhamos escandalizados os ignaros no vale, considerando um absurdo inconcebível não saberem eles do "azul".
Os eremitas da realidade, por outro lado, ainda que não arrogantes, perdem a oportunidade de conhecerem a realidade diversa da sua, pois seu alto intelecto os limita à academia, quando poderiam, inclusive, mesclarem seu latim ao coloquial, tornando mais rica a realidade.
Os povos do vale, por seu turno, ficam relegados ao esquecimento, sua riqueza realística se torna o meio de sua própria dominação, limitação e aculturação. Embebidos nas projeções de realidade que lhes são injetadas, tornam-se massa de manobra para os mais diversos fins.
Urge abrir os olhos para a realidade, não no sentido físico, mas entender que nossa opinião, nosso conhecimento, nossa percepção, nosso olhar, não é o único, e principalmente, não é o único certo.
Cada um tem sua torre de marfim, onde se encastela, dali passando os olhos pelo vale com desdém, e na hipótese de detectar outra torre, a chama de babel. Mas, fato é que a realidade que vemos, ou aquela que estabelecemos e que nos dá segurança, simplesmente não existe. A segurança, na REALIDADE, seguramente não está nisso(trocadilho proposital).
Osdilson Amorim Oliveira
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