terça-feira, 12 de novembro de 2013

Eufemismo X Realidade.

Em nossa vida muitas vezes nos valemos de eufemismos, "rodeando o toco", por assim dizer. Mas veja o que dá se tornar um especialista nisso, e o prejuízo à realidade daí advindo.


Advogados e promotores americanos discutem a utilidade de eufemismos

Por João Ozorio de Melo


Uma aparente picuinha entre uma promotora e um advogado, em um tribunal de Tennessee, chamou a atenção dos criminalistas americanos para um assunto pouco discutido: as conotações negativas que certas denominações jurídicas levam aos julgamentos. A denominação "réu", por exemplo, já assumiu uma conotação negativa. Ela pode criar uma desvantagem até mesmo para uma pessoa inocente na mente dos jurados — especialmente em inglês: "criminal defendant".

Para os advogados, está na hora de incluir "eufemismos" mais apropriados no código do discurso jurídico nos tribunais. Afinal, a criação de eufemismos é uma especialidade americana e seu uso — estimulado pelo marketing e já consagrado nos meios políticos, nos negócios, na imprensa — poderia ser mais útil nos tribunais. Eufemismos podem ser decisivos na formação da opinião pública ou da opinião de jurados.

Um exemplo de eufemismo sempre citado é a palavra "casualty" (casualidade ou infortúnio) que, nas narrativas de guerra, substitui a palavra "morte", tal como em: uma bomba lançada por um drone causou 800 "casualties". Outro exemplo: no início da guerra do Iraque, a imprensa começou a usar a expressão "resistência" iraquiana. O ex-presidente Bush se queixou, por causa da conotação romântica da palavra (que lembrava a "Resistência Francesa" na II Guerra Mundial), e conseguiu um acordo com a imprensa americana: a expressão mudou para "insurgência" iraquiana, uma palavra mais neutra, da noite para o dia.

Esses exemplos dão uma ideia de que eufemismos podem ser enganosos ou uma forma de manipulação da opinião pública. E, muitas vezes, são. No entanto, a função dessa figura de linguagem é suavizar uma palavra ou expressão e, em alguns casos, retirar conotações depreciativas ou pejorativas da terminologia cotidiana, até para evitar prejulgamentos ou preconceitos. A sociedade convive com isso, no dia a dia, ao se referir, por exemplo, às minorias.

Quem deu partida a essa discussão foi a promotora Tammy Rettig. Ela protocolou uma petição em um tribunal do Condado de Williamson, na qual se queixou da "mania" dos advogados — especialmente do advogado Drew Justice — de se referir aos promotores, no tribunal do júri, como "The Government". Em um caso em que o cliente de Justice era julgado por violação de domicílio qualificado, ela pediu ao juiz que proibisse Justice e outros advogados de usarem o termo "The Government", por ser "depreciativo".

"O Estado vem notando que, nos últimos anos, está se tornando comum, durante julgamentos, a referência dos advogados de defesa — especialmente "Mr. Justice" — aos promotores como 'The Government'. O Estado acredita que tal referência é usada de uma forma depreciativa, com o objetivo de fazer seus os membros da Promotoria parecerem opressivos e de inflamar os jurados", ela escreveu.

Em sua petição de resposta, Justice pediu ao juiz para rejeitar o pedido da promotora, porque, em primeiro lugar, ele atentava contra o princípio constitucional da liberdade de expressão. Mas, se for concedido à Promotoria a faculdade de escolher as próprias denominações, ele também gostaria de fazer suas escolhas, na mesma medida, de acordo com o jornal The Tennessean e o jornal da ABA (American Bar Association).

A primeira escolha, escreveu Justice, é a de que seu cliente não seja mais chamado de "réu". Em vez disso, que a promotora só se refira a ele como Donald Powell ou "Mr. Powell". Alternativamente, ela poderia chamá-lo de "o Cidadão Acusado" ou, mais apropriadamente, de "o Homem Inocente", considerando que, legalmente, todos são inocentes até que se prove o contrário.

A partir daí, Justice entrou em uma espécie de retaliação, em sua petição de resposta à promotora, o que alguns advogados aprovaram, outros não. "Em vez de advogado de defesa, aceitaria de bom grado a denominação de 'Defensor dos Inocentes'. "Alternativamente, 'Guardião do Reino (Guardian of the Realm)' seria uma boa designação", ele escreveu.

Assim, ele sugeriu um novo eufemismo para "Defesa", na denominação "advogado de defesa", que também teria uma conotação desfavorável: "Resistência" – ou "advogado da Resistência.

E acrescentou: "Como promotores e procuradores são normalmente chamados de 'general' (que, em português, significa tanto 'general' como 'geral', no caso, por exemplo, de promotor-geral ou advogado-geral), não me importo se me atribuírem um posto militar. Podem me chamar de 'Captain Justice' (capitão Justice)".

O juiz decidiu que a palavra "Government" não é depreciativa e rejeitou a petição da promotora. A Promotoria declarou ao The Tennessean que o objetivo da petição da promotora era apenas o de eliminar do julgamento fatores estranhos aos fatos. E que a Promotoria estava "desapontada" com o advogado.


João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2013

Fonte:
http://www.conjur.com.br/2013-nov-11/advogados-promotores-americanos-discutem-utilidade-eufemismos

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