E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu. (Eclesiastes 12 : 7)
Não se assustem! Não morri, e por conseguinte não estão lendo um texto meu após meu passamento. Apenas dei este título pela singularidade do que se segue, que de tão comum e universal a todos os seres humanos, porque um dia vai acontecer a todos, chega a ser fantástico. Não gosto de narrativas, prefiro a dissertação simples, a emissão de uma opinião. Narrar é sempre mais difícil, pois como dizia Einstein, corre-se o risco de partir para o relativo, já que muitas vezes o fato diverge de acordo com o observador e o ângulo em que estava.
Pois bem, o ângulo foi privilegiado, iniciando logo na segunda-feira com um culto no lar, onde cantamos, oramos e ouvimos sobre a Palavra de Deus. Esse foi o início. Hoje, sexta-feira, o fim da semana, de última hora de nos deslocamos a uma cidade próxima para o velório e enterro de um corpo. Sim, a alma já havia ido desde ontem a noite (não tenho certeza pra onde, apenas suponho). Um senhor, de idade estimada em torno dos 50 anos, ex-viciado em drogas, interno do Cepaigo, veio a óbito em conseqüência de um ataque do coração.
Ao chegar no local do velório, atrasado por conta da urgência e da distância, já embarcavam o caixão no veículo que puxaria o cortejo para o cemitério. As pessoas esvaziavam o Salão Paroquial, evidentemente abaladas, desnorteadas mesmo. Aquela igreja nada pudera fazer em vida pelo morto, e agora não dava apoio aos remanescentes vivos. Dizer o que nessa hora? Os "pêsames" protocolares? Sim, mas de uma maneira sincera, acompanhado de um abraço. O pai do morto, a par da tristeza que deve ser um pai enterrar um filho, se consolava com a informação de que seu ente querido não fora morto na prisão onde estava por colegas ou quem quer que seja, mas pelo problema do coração doente. Impressionante como o ser humano se apega em tudo que lhe possa trazer algum conforto, mesmo que isso não solucione seu problema; ainda que isso seja apenas um viés da mesma amarga verdade.
O pequeno cortejo seguiu pelas ruas, bem devagar, luzes piscando, como querendo contar a todos a tristeza que passava naquele momento, como se quisesse mostrar seu infortúnio. Mas a vida segue; uns olhavam, mais pela curiosidade creio; outros talvez se abalassem por dentro (creio também que ainda existam pessoas sensíveis). No cemitério, as últimas despedidas, o caixão reaberto. O morto tinha nas mãos, enlaçadas após a morte numa demonstração de humildade que talvez não tenha tido em vida, um rosário com um crucifixo na ponta. Entre os dedos um papel, como se o segurasse com o título: "CURA SENHOR", seguido de um breve texto no mesmo sentido. Muito tarde para esse pedido. Primeiro porque a alma não estava mais lá pra ser curada, e só o Pai sabe se Cristo a lavou e resgatou. Segundo porque o corpo já apodrecia, impossível de curar, pois a Palavra diz que ao homem está determinado morrer somente uma vez e que depois disso vem o Juízo. Logo depois, finalizadas as homenagens silenciosas dos entes queridos, fechado, o caixão foi levado lentamente, seguro pelas alças por vários homens, que se revezavam no privilégio de carregar aquele que agora não se sustinha mais. No meio do caminho descobriram que estavam carregando-o meio de cabeça para baixo, e respeitosamente mudaram de posição, desviando-se por entre as tumbas até a cova aberta de fresco, onde o finado, ou melhor, o corpo dele, dentro daquela caixa de madeira e paramentado com sua melhor roupa foi emparedado e a seguir coberto de terra.
Já perdi a conta de quantos velórios e enterros testemunhei, mas é sempre um choque participar desse tipo de cerimônia quando o morto não declarava, seja por palavras e/ou testemunho de vida, que sua alma pertencia a Deus. Não é exatamente agradável olhar o rosto de um morto, naquele caixão repleto de flores, quando admitimos a possibilidade bem forte de a alma ter ido direto para o inferno. Alguém comentou lá no cemitério, ao passar por uma suntuosa tumba de uma pessoa jovem (podia-se ver pelas fotos lá colocadas) que "a morte vem para todos, jovens e velhos, e que precisamos estar preparados". E a pessoa que afirmou isso ainda não declarou ter feito um compromisso com Deus! E sua vida não demonstra que é uma pessoa convertida! Mas mesmo assim sentiu o recado que Deus passava através das circunstâncias.
Naquele momento me vinha a mente o rico implorando para que Lázaro fosse até ele refrescá-lo em seu braseiro, ou que os remanescentes vivos fossem avisados para não caírem também naquele tormento.
Como disse, tentei apenas narrar. Cada eventual leitor, fique a vontade para dissertar a respeito. Mas penso que como diz o povo "para bom entendedor, meia palavra basta". Eu entendi. E tentarei algo diferente agora. Quem sabe Post-Vitae, ao invés de Post-Mortem.
Osdilson Amorim Oliveira
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