Ricardo Barbosa de Sousa
Certa vez ouvi de um ex-alcoólatra, que deixara o álcool havia mais de 45 anos e que ainda freqüentava os Alcoólicos Anônimos semanalmente, que toda vez que ia a uma reunião, apresentava-se dizendo: "Sou alcoólatra e fazem 45 anos que não bebo".
Segundo ele, foi dessa forma que conseguiu libertar-se do vício e permanecer fora dele todos aqueles anos. Em qualquer programa de tratamento para recuperação de dependentes de qualquer vício, a honestidade é um fator fundamental. Sem ela, o sucesso do melhor programa ficará comprometido.
Todavia, a atitude mais comum dos viciados é negar sua dependência. Da mesma forma que um alcoólatra nega que tem problemas com a bebida, muitos de nós também mentimos.
Enganamo-nos por tanto tempo que a desonestidade acaba se transformando num jeito de ser, num caminho necessário para a sobrevivência. Imaginamos que ninguém suspeita do que de fato somos e, no aperfeiçoamento da arte de representar, vamos cultivando a aparência e o auto-engano, construindo a história pessoal sob o alicerce de uma falsa identidade.
Não é fácil ser honesto. Eu ainda não encontrei um caminho simples para viver honestamente. Desde minha infância luto contra uma droga: "aprovação". Em minha jornada de vida sempre busquei afirmação, atenção, reconhecimento numa forma de compensar as deficiências emocionais do meu passado.
O que os outros pensam de mim tornou-se mais importante do que aquilo que de fato sou. A desonestidade conspira contra a integridade, a espiritualidade, a transformação do caráter, e acaba comprometendo a verdadeira identidade.
Ao me preocupar mais com a aparência, permito que um ser falso, impostor, estabeleça outros fundamentos para meus relacionamentos, seja com Deus, com meu próximo ou comigo mesmo.
O medo do julgamento dos outros, os riscos da rejeição, a falsa sensação de aceitação, alimentam a desonestidade e intensificam a falsa identidade.
Sabemos que a negação ou a repressão daquilo que somos cria falsos relacionamentos não apenas entre nós, mas, sobretudo entre nós e Deus.
Presumimos que Deus, da mesma forma que as pessoas, não saberá lidar com nossos corações e mentes divididos, com a forma como transitamos entre a carne e o espírito.
Seria Deus capaz de enfrentar meus desejos sexuais confusos e desordenados? Minhas oscilações entre a bondade e a maldade? A vontade de ser compassivo e outras vezes vingativo? Minha espiritualidade e a queda pela pornografia? Minha aparente mansidão e minha índole violenta?
Podemos até crer que Deus pode enfrentar e transformar essas realidades, mas enquanto não formos honestos sobre elas, não reconhecermos a dependência que temos delas, dificilmente experimentaremos seu toque libertador e transformador.
A oração é o caminho em que damos os primeiros passos da honestidade. Por saber que Deus me ama incondicionalmente, que me perdoa e aceita como seu filho, que conhece tudo o que sou e diante de quem não tenho como maquiar as mazelas da minha alma descubro que é somente na presença daquele que me acolhe em amor, pela mediação do seu Filho e no poder do Espírito Santo, que abro as portas dos quartos mais escuros da minha alma e encontro minha liberdade e dignidade.
No entanto, não basta ser honesto apenas com Deus, precisamos ser honestos também com nossa família, comunidade e amigos.
A coragem do ex-alcoólatra precisa ser também a nossa coragem.
É comum encontrarmos em nossas igrejas muita gente secretamente honesta. Outros são muito honestos, chegam até a se orgulharem disso, mas são honestos apenas para falarem dos outros. Alguns chamam isso de "profecia", mas são "profetas" que se dedicam a revelar os segredos dos outros, nunca os seus; conhecem bem as fraquezas e pecados dos outros, mas jamais permitem que conheçam os seus pecados e fraquezas.
Sou um pecador. Há cinqüenta anos tenho pecado contra Deus, mas pela sua misericórdia sigo no caminho da santidade.
Texto de Ricardo Barbosa de Sousa, pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração. Editora Encontro Publicações.
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