Sabido que preceito (tipo incriminador) sem sanção (pena) é autorização (conduta lícita), temos o decálogo do sonegador prescrito pelo legislador e o julgador:
1º) provisiona na contabilidade a rubrica "sonegação". Caso você seja autuado no breve qüinqüênio (art. 156, V, do CTN - a subordinação da jurisdição criminal à instância administrativa implica fulminar a possibilidade da ação penal uma vez operada a decadência do lançamento tributário: STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Rec.Esp.789506/CE, DJU 22.05.2006, p. 245 - STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 13.09.07, Informativo do STJ nº. 331 - STF, HC 84555/RJ, Min. Cezar Peluso, 07.08.07), basta usar a poupança para livrar-se, não apenas da sonegação, mas também por eventual corrupção (propina) que tenha oferecido à autoridade fiscal (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº. 8.137/90 e art. 34 da Lei nº. 9.249/95);
2º) prisão em flagrante jamais! Quem furta uma galinha está sujeito à detenção em flagrante (art. 301 do CPP). O sonegador, nunca! O crime estará consumado tão somente após o término do interminável processo administrativo-fiscal (STF, HC 81611/DF, 10.12.03, Informativo do STF nº. 333). Impunidade e tranquilidade! Sequer apreensão (preocupação) com eventual apreensão (busca mediante ordem judicial) do "corpus delicti" (caixa 2, notas fiscais paralelas, falsas, etc.). Enquanto não exaurida a instância administrativa, Polícia Judiciária, Ministério Público e o próprio Judiciário estarão reclusos, inertes (HC 32.743-SP, DJ 24/10/2005, e HC 31.205-RJ. RHC 16.414-SP, Rel. originário Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 12/9/2006 - Informativo do STJ nº. 296);
3º) sequer pagar é preciso! Sem contar inúmeras outras formas extintivas do crédito tributário (v.g., prescrição, decadência, compensação por força de tributos diversos pretensamente recolhidos indevidamente - Lei 10.637/02 com efeitos retroativos: STJ, REsp 720.966-ES, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22/2/2006, Informativo do STJ nº. 275), basta parcelar e estará extinta a punibilidade (STJ, RHC 11.598-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 08.05.02, Informativo do STJ nº133). Decretada a extinção da punibilidade, manda a Fazenda Pública "ver navios", deixando que o restante do parcelamento seja honrado pelo "bispo";
4º) sequer parcelar é necessário! Suficiente a mera confissão (art. 337-A, §1º, do CP), direito do sonegador que, via princípio da isonomia (art. 5º, "caput", da Constituição), assim como ocorrido com o art. 34 da Lei nº. 9.249/95, embora não se reportando à sonegação previdenciária (v.g., art. 95, 'd', da Lei nº. 8.212/91, ora art. 168-A do CP), a ela foi aplicado, estende-se aos tributos administrados pela Receita Federal, notadamente agora quando extinto o fisco previdenciário, unificado à Receita Federal (arts. 1º e 2º da Lei nº. 8.137/90);
5º) sequer confessar é exigido! A instância administrativa a qual está subordinada a ação penal é fonte inesgotável de chicana (STF, HC 81611/DF; arts. 25, §4º, e 26 do Decreto nº. 70.235/72). Mesmo garantia de instância, depósito (arrolamento de bens, etc.) ao recurso administrativo é imposto, fulminada a exigência pela inconstitucionalidade (STF, órgão plenário, RE 388359/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF nº. 462 - ADI's 1922, 1976 e 1074 Inf. do STF nº. 461).
São inúmeros recursos, sem contar a possibilidade de, em curso a controvérsia administrativa, suscitar toda sorte de incidentes judiciais protelatórios (vide STF: "utilização simultânea das vias administrativa e judicial", RE 233582, 389893, etc., Informativo do STF nº. 349 - Nota: posteriormente, em sessão plenária, o STF rejeitou a inconstitucionalidade da norma que faz perempta a instância administrativa sempre que o contribuinte recorrer ao Judiciário, RE 233582/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.08.07, Inf. do STF nº. 476).
Basta consultar o andamento processual:http://www.conselhos.fazenda.gov.br/, pesquisando pelo nome do autuado ("contribuinte"), especialmente junto ao 1º Conselho de Contribuintes, o de competência mais extensa.
Grandes grupos econômicos (v.g., Odebrecht, Gerdau, Itaú, Bradesco, Votorantim, Parmalat, Golden Cross, etc.), ícones do mundo político, sempre às voltas com imputações de improbidade, como o ex-Prefeito e Governador de SP, Paulo Salim Maluf (Processo nº. 10410.000441/93-14, instaurado em 1993, permanecendo mais de 08 anos apenas na instância recursal), o ex-Senador da República Luiz Estevão de Oliveira Neto (Processo nº. 10166.010690/96-64, instaurado em 1996, julgado no final de 1998), o Ex-presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello (Processo nº. 14052.005713/94-59, instaurado em 1994), a Construtora OAS Ltda., vinculada à família do ex-Senador da República Antônio Carlos Magalhães, etc., todos têm presença cativa nas instâncias hierárquicas do Executivo, Poder sempre audível aos seus interesses.
Isto tudo, sem olvidar que, uma vez julgados pelo Conselho de Contribuintes, ainda não estará exaurida a instância administrativa, cabendo recursos à Câmera Superior de Recursos Fiscais e ao próprio Ministro da Fazenda (arts. 25, §4º, e 26 do Decreto 70.235/72)
Exaurida a interminável instância administrativa, ainda assim nada garante a "persecutio criminis": a) provido recurso do autuado, extingue-se; b) improvido, não obstante presente provas de sonegação, o órgão fiscal pode excluir a representação ao Ministério Público.
No próprio Judiciário, também a suspensão do processo criminal (art. 93 do CPP) enquanto pendente no juízo cível discussão sobre a existência do crédito tributário (TRF/4ª, Rec. Sent. Estrito nº. 2004.72.01.002174-7/SC, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 22.09.04, Informativo Criminal do TRF/4ª novembro/2004)
Al Capone, cinematográfico gangster norte-americano, assumiu o controle do crime organizado de Chicago, final dos anos 20, enriquecendo com a venda de bebidas ilegais ('lei seca'). Terminou preso por sonegação fiscal em 1930, condenado a. 11 anos de prisão e multa de US$ 80 mil pelo Juiz Federal James H. Wilkerson.
Fosse o STF a Suprema Corte dos EUA à época de Al Capone, o gangster jamais teria sido preso. Estaria aposentado muito antes de ser sequer acionado "in juditio", ainda "sub judice" do Conselho de Contribuintes.
Enquanto o processo administrativo-fiscal amadurece, tal qual o vinho que envelhece em barris (prateleiras) de carvalho, não faltarão as corriqueiras anistias, consenso suprapartidário da impunidade, honrado governo após governo
Governo FHC, o Refis (art. 15 da Lei nº. 9.964/00), suspensa pretensão punitiva enquanto sob o parcelamento "ad eternum", vez que os valores mensais são decididos pelo próprio sonegador, vinculados ao faturamento da pessoa jurídica, mercê de sua discricionária declaração, de forma que a projeção à quitação ultrapassa séculos ("sic"', caso da Academia de Tênis-DF, 1.166 anos, publicado na Revista Veja, 21.02.01, e na Folha de São Paulo, 01.02.04: "União parcela dívida em até 890 mil anos").
Governo Lula, o PAES (art. 9º da Lei nº. 10.684/03). Reeditando suspensão da "persecutio criminis" pelo parcelamento (REFIS), foi-se além, muito além, excluída a limitação anteriormente salvaguardada, qual seja, aplicação restrita às sonegações ainda não objeto de denúncia pelo Parquet recebida pelo Judiciário (art. 9º da Lei nº. 10.684/03), de forma que o inexorável efeito retroativo da lex mitior (CF, art. 5º, XL, in fine) sepultou todas as persecuções pretéritas, incluindo as de trânsito em julgado ("sic"). Nesse sentido, STF, 1ª Turma, HC 81929/RJ, 16 de dezembro de 03 (Informativo do STF nº. 334). RF/4ª, Rel. Des. Federal José Luiz Germano da Silva, Agravo
Se não he sensibilizou a delinqüência contra o erário, no mínimo, o Partido dos Trabalhadores poderia comover-se com os trabalhadores da nobre Advocacia Criminal, em massa desempregados com a medida.
Freudianamente, recebeu o epíteto de PAES (Parcelamento Especial - Lei nº. 10.684/03). Até as "mães" restariam constrangidas em outorgar tamanha leniência à dileta prole sonegadora.
Tamanho o prurido abolicionista que, embora a Lei nº. 10.684/03 não tenha contemplado a pessoa física, apenas a jurídica, de imediato, a Receita Federal, arrogando-se poderes legislativos, administrativamente, estendeu o benefício também aos sonegadores da pessoa física.
PAES sem perder as benesses do REFIS, como o milenar parcelamento. Entre outros artifícios, reduzir o faturamento da empresa, repassando a atividade a outras, em nome de familiares, "laranjas", etc._ até ser enquadrada em micro ou de pequeno porte, situação em que não há limite (art. 1º, §3º, I, da Lei nº. 10.684/03).
Exemplo do ex-Senador da República (DF) Luiz Estevão, com sonegação superior a R$ 200 milhões (Previdência Social e Receita Federal), terá 432 mil anos de prazo ("Ex-Senador Luiz Estevão vira pequeno empresário", Folha de São Paulo, 23.01.05).
Na verdade, o parcelamento da PAES (Lei nº. 10.684/03) não suspendeu a pretensão punitiva. Extinguiu a punibilidade.
Sabido que esses programas são retroativos (Refis, Paes), ou seja, sempre se reportam a fatos geradores tributários (fatos típicos criminais sonegação) pretéritos. Ora, quando esses fatos ocorreram, vigorava o art. 34 da Lei nº. 9.249/95 extinguindo a punibilidade mediante o pagamento anterior ao recebimento da denúncia. Todavia, o STJ, para fins de extinção da punibilidade, equiparou o parcelamento a pagamento (RHC 11.598-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 08.05.02, Informativo do STJ nº. 133).
Dessa forma, parcelado o débito antes da denúncia, extinta está a punibilidade. É a ultra-atividade da "lex mitior" (art. 34 da Lei nº. 9.249/95 c/c art. 5º, XL, "in fine", da Constituição - vide tópico DA DOGMÁTICA: "Nullum crimen sine lege"). Irrelevante que o Paes seja norma especial alegadamente prevalente sobre a norma geral.
Brandindo a defesa dos clubes de futebol, instituição nacional ('pátria de chuteiras', diria Nelson Rodrigues), adveio a timemania, parcelando "ad eternum" (Lei nº. 11.345/06) o passivo, de quebra, disseminando a benção às entidades filantrópicas, especialmente às 'pilantrópicas'(art. 4º, §12º, da Lei nº. 11.345/06).
Entrementes, outro parcelamento 'amplo, geral e irrestrito' (nos 'anos de chumbo' -ditadura militar, bordão da oposição clamando perdão aos perseguidos políticos, exilados, agora, aos sonegadores), Medida Provisória 303/06, sequer votada, eficácia exaurida, extinguindo, contudo ,a punibilidade de quem solicitou fracionamento do pagamento quando em vigor a norma.
6º) na hipótese da antiguidade da autuação desfalecer a memória do sonegador, somada à desventura da condenação na instância administrativa e a inexistência de anistia, sem "streptus"! Caso o Ministério Público apresente denúncia, o Judiciário afetará ainda mais um prazo ao pagamento antes de seu recebimento (STJ, recurso especial nº. 79.506/DF, DJU 03.08.98, p. 332 TRF-4ª, Correição Parcial 96.04.60025-7/RS, DJU 14.11.96).
Como se, antes do advento da Lei nº. 11.106/05, deduzida imputação por estupro, tendo em conta o então benefício extintivo da punibilidade (art. 107, VII, do CP), o Judiciário também poderia notificar o acusado a casar-se com a vítima. Coroando o teatro do absurdo, na hipótese de negativa da ofendida, caberia fazê-la conduzir ao altar sob vara!
7º) recebida a denúncia pelo Judiciário, fugir do Oficial de Justiça, evadir-se da citação, mais do que Direito Natural, tem pleno amparo processual (art. 366 do CPP). Enquanto não citado pessoalmente, suspenso estará o processo e a prescrição. Não, todavia, "ad eternum". Tão somente até prescrita a ação "in abstracto" (STJ, Rel. Min. Félix Fischer, Rec. Esp. 7.052/RJ, DJU 18.05.98, p. 114). Até a prescrição consumar a impunidade, basta o sonegador não cometer o desatino de, de dedo em riste, adentrar o cartório judicial anunciando ali estar para ser citado. Nenhum risco de prisão preventiva, eis que ela pressupõe os requisitos do art. 312 do CPP, inaplicáveis, de per si, ao sonegador não localizado (STJ, RSTJ, 104/408);
8º) tamanha a pródiga impunidade que ela faz obsoletos institutos que premiam a reconsideração da delinqüência. Casos típicos da tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior (arts. 14, II, 15 e 16, do CP).
Se mesmo à sonegação consumada basta simplória confissão à impunidade (v.g., art. 337-A, §1º, do CP), prejudicada qualquer relevância à tentativa, desistência ou arrependimento.
9º) na pior das hipóteses, condenado em 1ª e 2ª instâncias, nada a temer. Pendência de recurso na instância extraordinária (STJ, STF), impede a execução provisória da pena (STF, 1ª Turma, HC 84677/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, 23.11.04, Informativo do STF nº. 371 STF, HC 86498/PR, Rel. Min. Eros Grau, 18.4.06, Informativo do STF nº. 423 - STF, HC 69754/BA, Min. Celso de Mello, Informativo do STF nº. 454). "A fortiori", o caso de pena substitutiva alternativa (art. 147 da LEP STJ, HC 41.703/PR, Rel. Min. Nilson Naves, 17.11.05, Informativo do STJ nº. 268).
Basta cavilar argumentos a propósito das centenas de normas tributárias e/ou penais para ensejar recurso especial e/ou extraordinário, cuja admissibilidade, de per si, obsta a execução da pena (STF, 1ª Turma, HC 84677/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, 23.11.04, Informativo do STF nº. 371).
Afinal, na instância extraordinária, as extraordinárias picuinhas são irresistivelmente apetitosas. Exemplo patético o da Suprema Corte debruçar-se sobre obsceno ou não na exposição das nádegas do teatrólogo Gerald Thomas (STF, HC 83996/RJ, Informativo do STF nº. 357). Processo ainda sob instrução em 1ª instância, o STF entrega-se à ridícula questiúncula. Certamente, também não negará ao sonegador qualquer discussão, por mais ínfima que seja.
Mesmo quando inadmitido na origem (tribunal recorrido) recurso especial e/ou extraordinário, a prisão mantém caráter processual, cautelar, podendo ser decretada apenas quando presentes os pressuposto da preventida (art. 312 do CPP), vedada a execução provisória da pena (STF: HC 69754/BA, Min. Celso de Mello, Informativo do STF nº. 454).
Entrementes, enquanto a defesa social cumpre a via crúcis dos intermináveis escaninhos recursais, a prescrição corre resoluta, inexorável!
10º) não bastassem as pródigas benesses aos sonegadores quando em curso a pretensão punitiva, aos que ainda assim tiverem a desventura de serem condenados, o Executivo, quando da pretensão executória, via indulto, obsequia-os, outorgando extinção da pena mediante cumprimento de apenas a metade das já afáveis sanções alternativas (v.g., art. 1º, VI, do Decreto nº. 4.495/02)
Finalmente, se, não obstante estas incomensuráveis impunidades, o sonegador ainda for apenado, realmente, o merece.
Se não pelo delito contra o fisco, certamente pela estratosférica incompetência de seu Advogado, seu oceânico azar, "case" digno de ser mancheteado, ou a conversão do infrator à "Igreja dos Sonegadores Arrependidos".
Fonte: http://promotordejustica.blogspot.com/2008/09/declogo-do-sonegador.html
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