quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O mérito também pode ser seu

Karla Jaime Morais

Estamos em plena crise, e não apenas a crise econômica internacional, embora consumismo, individualismo, deslealdade e falta de confiança em si e nos outros tenham muito a ver com o modelo atual, que demonstra sintomas de grave enfermidade.

O cinismo e a convicção de ter sempre um adversário a vencer estão arraigados a ponto de pessoas comemorarem vitórias que não são suas. Casos como os de quem encomenda o trabalho final do curso e depois vibra com a nota 10 para a monografia. Outro exemplo é o de atletas que recorrem a substâncias proibidas para ter melhor desempenho. Levam prêmio, troféu e medalha, mas não podem experimentar a gratificação genuína do esforço recompensado. Dar um control c, um control v, colar o texto roubado de alguém, porque não lhe é dado o crédito, e assinar como obra autoral... atalhos podem ser perigosos. Muito triste, porque o que parece ser o caminho mais fácil torna aquele que por ele segue um fraco, sem coragem de arriscar, de testar seus próprios recursos, o seu potencial. O ideal não é chegar lá, seja como for, mas estar a caminho, experimentando, buscando... contribuindo.

Se não confio no que sou, no que posso me esforçar para aprimorar, como posso confiar nas outras pessoas? Há quem tenha dificuldade mesmo em olhar nos olhos do interlocutor, talvez temeroso da velha máxima de que os olhos são a janela da alma.

Ser sujeito da ação não é fácil, porque tem de começar pela vontade de perscrutar o que guardamos escondido de nós mesmos, como ameaça de dor insuportável. Repensar identidade e convicções, expor-se, arriscar-se. Com o livro O Filho Eterno, obra de ficção com traços autobiográficos, Cristovão Tezza tornou-se um dos mais premiados escritores do ano. Ele demorou a vencer barreiras para narrar a experiência de ser pai de um filho com síndrome de Down. Fez, doou-se, e as recompensas são justas. Uma das muitas lições compartilhadas no livro é quando fala de um eficiente mecanismo de controle social: “Sobretudo, não seja ridículo”, constata ao falar da exigência de adequação. De parecer bem. Por que tanto pavor do ridículo? Não é mais ridícula a ilusão de pensar ter chegado lá, sem sequer ter saído do lugar?

Karla Jaime Morais é editora de Opinião.

Jornal O Popular – 07/12/2008

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