terça-feira, 29 de abril de 2014

O zoológico moderno de Ota Benga


Porque Comparar Negros a Macacos Não Deve Ser Motivo de Piada

 

 

 

Ota Benga, Zoológico do Bronx, Nova York em 1906

A foto acima é do pigmeu Ota Benga que ficou em exibição junto a macacos no Zoológico do Bronx, Nova York, em 1906. Ota foi levado do Congo para Nova York e sua exibição em um zoológico americano serviu como um exemplo do que os cientistas daquela época proclamaram ser uma raça evolucionária inferior ao ser humano. A história do jovem Ota serviu para inflamar as crenças sobre a supremacia ariana defendida por Adolf Hitler. Sua história é contada no documentário “The Human Zoo” (O Zoológico Humano).

Comparar os negros a macacos não é nada maneiro.

Assim como aquela velha e infeliz “piada” que pergunta, “qual a diferença entre uma lata cheia de merda e um negro?” as piadas que comparam negros a macacos são racistas em sua essência; não são inovadoras, originais ou mesmo inteligentes pois humilham, causam constrangimento, tristeza e mal humor em várias pessoas, principalmente aquelas que sabem o real significado de ser não-branco no Brasil. E a causa desse constrangimento tem uma razão histórica, como veremos.

Hoje vemos no Brasil o comportamento racista contra os negros surgindo de forma não camuflada e assim abalando as bem fracas estruturas do mito nacional da democracia racial. E nestes últimos dias o Brasil testemunhou casos onde negros sofreram humilhação pública, ofensas que utilizaram a figura do macaco dentro de um espaço já tradicionalmente reconhecido como popular, racialmente democrático e diverso: a arena de futebol.

 

O árbitro de futebol Márcio Chagas da Silva foi mais um alvo de racismo no último dia 5, durante a partida entre Esportivo e Veranópolis, no Estádio Montanha dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, quando ele, na entrada do jogo, foi chamado pela torcida de “macaco”, “imundo”, e “escória”. E mais tarde o árbitro encontrou seu carro amassado e sujo com bananas, inclusive no cano do escapamento, assim reportado pelo Portal Terra.

 

Um dia depois mais um caso ocorreu, desta vez em São Paulo, como noticiou o jornal Estado de São Paulo:

 

“Após ser chamado de ‘macaco’ no Estádio Romildo Ferreira, em Mogi Mirim, o volante Arouca repudiou as ofensas racistas que sofreu de torcedores na vitória do Santos por 5 a 2 contra o time da casa. Em nota, o atleta, que fez o terceiro gol da equipe praiana no jogo, classificou como ‘lamentável e inaceitável’ os xingamentos ouvidos na noite da última quinta-feira, em partida válida pelo Campeonato Paulista.”

 

Esse tipo de ofensa vem ocorrendo em todo o mundo, e aumentou bastante desde que Barak Obama se tornou presidente dos Estados Unidos, tendo ele sido alvo de várias caricaturas humilhantes retratando-o como macaco, e que tiveram o intuito único e absoluto de ofender o primeiro negro a ocupar o cargo de presidente daquele país. Estádios de futebol na Europa também se tornaram palco deste tipo de insulto regularmente.

Entretanto, muita gente não compreende a magnitude e profundidade da utilização da figura do macaco como insulto aos negros, mesmo quando a utilização da figura daquele animal tem como objetivo fazer alguém rir.

Já algum tempo atrás, um humorista fez uma piada onde comparou o King Kong a jogadores de futebol. Entidades e grupos afro-brasileiros repudiaram tal piada e através de um twitter o humorista pergunta porque não se pode chamar um negro de macaco.

Esta postagem não é uma tentativa de explicação do porque não se pode chamar um negro de macaco, mas sim uma explicação do porque não se deve fazer esta comparação, e porquê e como a mesma fere profundamente algumas pessoas.

Bem, tudo tem uma raiz histórica.

 

James Bradley, professor de História da Medicina/Ciência da Vida da University de Melbourne, na Austrália, em seu texto “The ape insult: a short history of a racist idea” (O Macaco Como Insulto: Uma curta história de uma idéia racista), publicado no site The Conversation: Academic rigour, journalistic flair, detalha o uso ofensivo da comparação de descendentes de africanos com o animal macaco. Ele diz que para se “entender a força e o objetivo do uso do macaco como insulto, a gente precisa de uma dose de história”.

 

Fonte da imagem: https://theconversation.com/the-ape-insult-a-short-history-of-a-racist-idea-14808

Para isso ele retorna ao século 18, momento no qual as teorias da evolução já estavam sendo propostas, e que as teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744-1829) o tornaram o ancestral das teorias de Darwin. Bradley diz que para Lamarck, a evolução não se deu através da seleção natural no espírito darwiano, mas sim através de uma força vital que levou organismos a se tornarem mais complexos, funcionando em combinação com a influência do ambiente. Segundo Bradley, “nesta visão, os seres humanos não compartilhariam um ancestral em comum com os macacos”, eles seriam na verdade, “os diretos descendentes dos macacos”, e por consequência, os africanos “se tornaram o elo entre os macacos e os europeus”.

 

A teoria de Lamarck junto às várias outras teorias similares da época, foram vitais para a elaboração do racismo científico—também conhecido como pseudociência, ou falsa ciência. Bradley novamente nos explica que ao fazer parecer que os “não-europeus seriam mais macacos do quê humanos, essas diferentes teorias foram usadas para justificar a escravidão nas Américas e o colonialismo no resto do mundo”. O autor acredita que todas aquelas diferentes teorias científicas e religiosas operaram na mesma direção”, ou seja, “reforçar a direito europeu de controlar grande parte do mundo”. E esta foi a maneira que os europeus se diferenciaram não só biologicamente mas também “culturalmente”, mantendo sua superioridade sobre os outros povos.

 

Bradley por fim faz uma importante proposição: “Invocar a imagem do macaco é acessar o poder que levou a desapropriação das populações não-europeias e outras heranças do colonialismo”. E interessantemente ao se referir ao contexto australiano, mas que tem uma repercussão também em várias outras partes do mundo, o autor termina seu texto dizendo:

“Claramente, o sistema educacional não faz o suficiente para nos educar sobre a ciência ou a história do homem. Porque se o fizesse, nós veríamos o desaparecimento do uso do macaco como insulto”.

A razão pela qual não se deve comparar negros a macacos, é por esta ser uma simples repetição de uma parte perversa da nossa história, e que por ainda ser o Brasil uma sociedade de imensas desigualdades sociais, essa comparação se torna altamente perigosa. Assim, mesmo enquanto piada, a comparação não é inovadora nem mesmo original ou inteligente, pois usa as ideias obsoletas criadas no século 18 como base para o humor. Estas piadas reforçam o racismo já estabelecido na nossa sociedade e só servem a um único objetivo: aumentar a aura de falsa superioridade biológica e cultural do branco, aumentando consequentemente, as desigualdades entre a população.

A comparação do negro ao macaco também evoca a crença escravocrata de que os escravos africanos, por serem equivalentes aos animais, não tinham alma.

A equação negro = macaco poderia não ser ofensiva caso esta não tivesse feito parte de uma estratégia engenhosamente construída para legitimar o controle e o domínio sistemático sobre a população africana que durou 4 séculos. Esta equação retirou o caráter humano da população africana e de seus descendentes transformando-os em seres inferiores. Esta equação não somente justificou o trabalho forçado e não remunerado nas grandes lavouras, mas também dividiu milhões de famílias e transformou milhões de seres humanos em mercadoria que com o respaldo social, legal e científico para a sua inferioridade podiam ser sistematicamente humilhados, torturados, estuprados e assassinados à mercê do humor de seus donos. Comparar negro a macaco é, queira ou não, reviver e venerar um dos mais horríveis e longos episódios da história da humanidade.

 

Ainda, fica claro que fazer piada sobre um grupo social historicamente fragilizado é fácil, pois quem o fizer receberá o apoio de uma parte da sociedade que tem cravado em seu imaginário coletivo a crença de que os negros gostam de ser humilhados e ofendidos, e que podem ser humilhados e ofendidos por serem inferiores. Todavia, fazer alguém rir sem usar a ofensa, por ser difícil, ainda será uma tarefa a ser realizada somente pelos portadores de real talento humorístico.

Piada, humor e comédia em geral, servem para liberar as mais variadas emoções escondidas no ser humano, geralmente criando um senso de bem estar, mas hoje temos um monstro à solta nos estádios de futebol, nos salões de manicure, por aí, nas ruas. Isso nos leva a crer que parte do humor que ataca gratuitamente a ideologia do “politicamente correto”, o faz tão somente como forma de justificar limitações artísticas.

Talvez seja esta uma outra razão pela qual não se deva comparar o negro ao macaco: as pessoas podem acreditar, já que uma população que muito carece de um sistema educacional de qualidade (desde a classe social mais alta até a classe baixa), tende a aprender, acreditar, imitar, tende a se educar através das verdades criadas pelas celebridades do mundo do entretenimento.

 

 

c&p

 

Fonte do texto: http://culti-e-popi.blogspot.com.br/2014/03/porque-comparar-negros-macacos-nao-e.html (acesso em 29/04/2014)



Silêncio!

REINVENTANDO O SILÊNCIO

 

Luiz Marins


 
 
Tenho me lembrado muito da cantora Rita Lee que em Jardins da Babilônia diz “pra pedir silêncio eu berro...”, pois nunca sentimos tanta falta do silêncio, da calma, de ambientes que favoreçam a concentração, o diálogo sereno, o prestar atenção. Vivemos numa verdadeira ditadura do barulho. Fala-se alto demais! Grita-se muito!

Crianças gritam para ser ouvidas. Pais gritam para ser atendidos. Clientes gritam para reclamar e atendentes gritam para responder. Parece que vivemos numa sociedade de surdos.  Desaprendemos o silêncio, a calma, o falar baixo.  Vamos a um restaurante e não podemos conversar. A tal música de fundo, que invadiu o mundo contemporâneo é tão alta que impede o diálogo. As pessoas da mesa ao lado gritam umas com as outras e riem alto sem a menor consideração com seus vizinhos. No avião e no ônibus é a mesma coisa. Pessoas gritam para seus colegas de assento e todos têm que ouvir o que não interessa saber. A impressão que me dá é que todos querem ser celebridades públicas ou pensam estar num palco de teatro falando para uma plateia.

Repare que o barulho dos carros, das motos, das músicas em volume alto, das conversas está a cada dia mais elevado sem que nos apercebamos disso.  Pessoas falam alto ao celular em qualquer lugar, até em cinemas, salas de aula e igrejas. Crianças desaprenderam o falar baixo. Jovens estudam com a TV ligada. Mães falam alto demais com seus filhos que por sua vez respondem no mais alto volume possível. Outro dia ao entrar numa casa de família, fiquei horrorizado com tanto barulho, gritaria, televisão e rádio ligados em alto volume e todos gritando para serem ouvidos ao mesmo tempo. Qual a qualidade de vida dessa família?

Na empresa é a mesma coisa. Todos falam alto demais ao telefone, com seus colegas e a poluição sonora toma conta do ambiente, o que faz com que as pessoas não consigam ter foco no que estejam fazendo.  Muito do retrabalho, dos erros, das desatenções é ocasionado pela falta do necessário silêncio que favorece a concentração. O próprio fato de todos trabalharem juntos na mesma sala, sem um código de ética em relação ao barulho excessivo, faz com que as pessoas não consigam prestar atenção, gerando problemas sérios de qualidade e produtividade.  Ninguém mais ouve. Todos querem falar e falar alto.

É preciso reinventar o silêncio. É preciso baixar o volume, respeitar o outro e parar de gritar. Leve essa ideia para sua casa, seus amigos, seu trabalho e reaprenda a ouvir você mesmo, através do precioso silêncio. 

Pense nisso. Sucesso!